Império é força, trabalho e riqueza, é coragem, ideal e fé. Nunca poderia existir um império português baseado na candura. O império não se teria formado sem força, não teria nascido sem proselitismo idealista nem poder expansivo, sem luta, sem competição, e portanto sem sangue, nosso e de inimigos. Na formação do império português fomos grandes, muito grandes, porque dentro das ideias da época nos fizemos alguém no mundo, e poderosos contra a vontade do próprio mundo. Acolhemos amigos ou receosos da nossa inimizade, e esmagámos inimigos. Fomos bons e fomos maus, generosos e tiranos, justos e injustos, leais e traiçoeiros, valentes e cobardes, honrados e ladrões. Fizemos o que os outros fariam se pudessem, porque fomos em cada momento homens daquele tempo.
Como homens de fé, quisemos espalhar nos infiéis a nossa crença, à força, e quem não aqueria aceitar tinha que morrer; era a época. Queimámos no mar navios cheios de inimigos, e o mesmo aconteceu a muitos dos nossos. Passámos a fio de espada populações inteiras e eles fizeram-nos o mesmo sempre que puderam. Uma vez o Vice-Rei mandou pulverizar num almofariz um dente de Buda apanhado em Ceilão e lançá-lo solenemente ao mar. Tadavia pelo dente venerado os cingaleses davam tudo o que quiséssemos. A fé teve mais força que a cobiça e as ofertas foram recusadas. Não se julgue, porém, que a atitude do Vice-Rei não provocou largos protestos dos católicos portugueses que viam na relíquia oportunidade de vantajosos negócios para as dificuldades financeiras do Estado. Quando tomávamos cidades ou navios, roubávamos, porque era legítimo naquele tempo como hoje, pelo direito de guerra, tanto que o rei decretava para o efeito do regimento das presas em que reservava para si o quinhão que lhe pertencia só por ser rei. Tudo isto é o Passado, nosso e de todos os mais povos e não fomos piores do que eles. Dizer que o Império se não fez e engrandeceu à sombra de interesses materiais é uma colossal mentira.
Nem compreendo que isso se esconda, porque não temos culpa de que os nossos antepassados se não guiassem pelas nossas ideias, nem eles são culpados de termos relegado as suas. O mundo progrediu e nós também. Portugal não é na Lua e tem sempre acompanhado o mundo e o desenvolvimento da civilização.
Alexandre Lobato, Aspectos de Moçambique no Antigo Regime Colonial