segunda-feira, 16 de julho de 2012

Um Rei

in Dragoscópio
Um rei não me representa (senão teríamos, em vez duma teia de representantes múltiplos, uma trama de representante único): um rei simboliza-me, congrega-me, confere-me sentido enquanto povo. Serve de elo vivo entre o passado e o futuro, entre o sagrado e o profano, entre o que nunca muda e o que muda todos os dias, entre os mortos e os vivos, os antepassados e os vindouros. O rei é, não faz de conta. É um algo acima e para além da sua pessoa e de todas as nossas pessoas. A limite, pois, o rei não é derrubável ou cancelável por qualquer surto efervescente de turbamultas mais ou menos orquestradas ou noctiluzes. Não, o que é, de facto, é traível: a começar pela pessoa dele próprio, se aceitar, vilmente, a canga ou a mutilação. Se, em vez de príncipe de homens livres, se degradar ao Primeiro dos escravos da puta da Lei. Rex é regra e a regra está acima, antes e para lá da lei. Ou não está. E depois pode ser atraiçoado por todas essas pessoas que não apenas se proclamam republicanas, como, e se calhar pior um pouco, se apregoam "monárquicas", isto é, adeptas do pseudo-regime. Ora, a república que é ela senão o estado e consequência última da deterioração da monarquia? Aliás, entre nós, que tem sido a república senão um proliferar de pseudo-reizinhos ao colo dum feudalismo de Estado?

domingo, 15 de julho de 2012

O homem que cunhava moedas

Certa tarde, deveras quente, com pouca brisa
certo carácter inconsciente irrompe pela crista
com poder mágicos, sólidos e inefáveis
controladores aéreos que escapam aos radares.

Este homem de que vos falo
era conhecido por cunhar moedas
gostava de ir comer à Cunha
mareava raridades.

Neste texto, que celebra coisas tão mundanas e profanas
quanto o podem ser as capicuas

este vosso benfazejo bem-feitor
compõe uma sonata
com nata
dos Açores

pois se esta terra fica mais perto de Louisiana
terra onde reina o Sr. Cunha.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Para si, Camões

No ano do leão, reinava pacificamente uma volatilidade no ar
que nem o Cupido conseguia apanhar
No ano do pombo-torcaz, reinava alegre e lentamente uma maresia florentina
que nem a Vénus era consentida permissão para ser menina

No meu tempo, o tempo tinha tempo para ser menino
No tempo dela, a franja que ela não tinha era cretina

No canto da mesa
o copo
No ramo da presa
o tolo

"Mas ela reina?"

"Em várias flamas variamente ardia"

terça-feira, 10 de julho de 2012

Um dia em Louisiana

Cucu Mr President, you have a call

"Who is calling?"

It is your life, Sir.

--//--

O bule estava quente, já tinha sido escaldado vezes sem conta, mas o seu conteúdo nunca tinha sido vertido para uma chávena, por mais simples que fosse.

Havia até quem desconfiasse que alguma vez o bule fosse usado para o que realmente era o seu dever.

Um dia, uma menina de modos simples pegou no bule.
Esse bule nunca mais se esqueceu das mãos que pegaram nele.

"E a chávena? Que aconteceu à chávena, avó?"

It is your life, Sir.

domingo, 8 de julho de 2012

PassarElle

Beleza não rima
nem com grandeza
nem com fineza
nem com princesa

Beleza nem rima
com fraqueza
com rudeza
com tristeza

Beleza só rima com Beleza.

Belzebu é único.

Belzebu rima com Beleza.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A mulher que tinha um gato

Onde é que eu já a vi?
parece-me que é uma Anabela
que conheci há muito e muito tempo
não lhe vou falar lembro-me eu melhor
das outras pessoas do que elas de mim
e não tenho nada para lhe dizer
parece-me daquelas pessoas
que não vão a uma loja para comprar coisas
mas para serem compradas pelas coisas
que será feito da mãe da Anabela?
estava convencida de que o mais importante
a fazer nesta vida era ser a esposa
de um sócio gerente da fábrica de
impermeáveis Parabellum inquiria
antes de convidar as meninas que a Anabela
conhecia o que é que os pais dela faziam
o teu aspira a sala? não faz nada?
o teu é escritor? mas isso dá alguma coisa?
o teu morreu? já não faz nada!
só o pai da Anabela fazia
alguma coisa que dava alguma coisa
a Anabela é que já deve ter descoberto
que os impermeáveis Parabellum
não fazem a felicidade de toda a gente

Adília Lopes, "Obra"

Entrevista no jornal "A Voz de Ermesinde"

Entrevista realizada a um músico de grande valia.
Edição online aqui.

Editada em "acordês" de acordo com os princípios adoptados pela redacção do jornal, mas enviada em português pelo autor.

3ª entrevista feita pelo autor a músicos residentes ou provenientes de Ermesinde.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves