segunda-feira, 12 de julho de 2010

O mito DemoLiberal

J'ai pour les institutions démocratiques un goût de tête, mais je suis aristocratique par l'instinct, c'est-à-dire que je méprise et crains la foule.
J'aime avec passion la liberté, la légalité, le respect des droits, mais non la démocratie. Voilà le fond de l'âme.
Je hais la démagogie, l'action désordonnée des masses, leur intervention violente et mal éclairée dans les affaires, les passions envieuses des basses classes, les tendances irreligieuses. Voilà le fond de l'âme.
(...)
L'inquisition n'a jamais pu empêcher qu'il ne circulât en Espagne des livres contraires à la religion du plus grand nombre. L'empire de la majorité fait mieux aux États-Unis : elle a ôté jusqu'à la pensée d'en publier."

A. Redier, Comme pensait M. de Tocqueville,

Os termos democrático e democracia são termos políticos, que estão inexoravelmente ligados ao poder da maioria.
A Democracia implica o poder do demos. Os vários usos e abusos sociológicos e sociais não nos interessam, e trato de expressões como "agir de forma democrática" ou algo do género.
Desde já aviso os meus leitores que lido, apenas, com os termos políticos. O conceito básico de democracia durou, com variações menores, desde os Antigos até à metade do último século. Os Federalist Papers concordam, no plano geral, na definiçã que Aristóteles, Platão e São Tomás de Aquino davam de democracia.
Com Rousseau nasce uma manifestação particular de democracia - a democracia directa. A transmissão directa da representatividade.
Quais são, então, os postulados da democracia? São dois: a igualdade legal e política de todos os cidadãos e a regra da maioria entre iguais.
A palavra liberdade não entra nenhuma vez na definição de democracia, apenas a palavra igualdade. Igualdade na representação, no voto, nos direitos e nos deveres.
Daí a os Pais Fundadores se mostrarem completamente contrários à democracia é um instante. Jefferson, tal como Ayn Rand mais tarde, acredita na aristoi natural, opondo-se terminantemente ao qualquer tipo de eficácia de um Governo apoiado por sufrágio universal. Consideram-se todos, desde (a grande maioria ) os Pais Fundadores à escritora russo-americana, republicanos constitucionalistas, e nunca se referem uma única vez favoravelmente à democracia.
O termo "democrata" aparece pela primeira vez em 1828, na eleição de John Quincy Adams, que se considerava um republicano-democrata.
O termo republicano difere totalmente deste. Burke, contemporâneo destas transformações de definições, afirma a independência do representante perante o seu eleitorado contrariando a ideia de majority rule, adoptanto a postura republicana em vez da democrática.
Na verdade, hoje em dia tentar separar as definições de liberalismo das de democracia, e democracia de república, é uma batalha perdida.
Sabemos que o liberalismo se preocupa, fundamentalmente, com a liberdade individual independentemente do detendor do poder público. A democracia, enquanto tipo de regime, preocupa-se em quem deve vestir essa autoridade. Na teoria, estes diferentes objectivos parecem conciliáveis, e até o são nas mãos de hábeis teóricos.
Na prática, a música é outra. Se o liberalismo preconiza o livre acesso a uma actividade (comércio, serviços, educação, etc.), a democracia preconiza o livre acesso a uma função (p. ex. de ordem e segurança, realizada monopolísticamente pelo Estado). Os critérios de admissão para cada tipo são obviamente diferentes, e aplicar o método concorrencial democrático às actividades empresariais é proceder à sua colectivização, visto que viola os direitos absolutos dos seus proprietários.
Assim sendo, depurando os diferentes elementos, vemos que do Liberalismo está a Liberdade e da Democracia a Igualdade.
A forma como ambas as formas atenuam os efeitos maliciosos de uma e de outra é discutida por muitos autores, sendo que Tocqueville terá sido dos mais bem sucedidos.
E como este escreveu bem o seu temor pelo poder nivelador da democracia na psique das populações!
O igualitarismo político é visto por ele como a força mais temível da Idade da Democracia, e é certo que virá através dos seus mecanismos. Nessa força política cujos efeitos se vêm um pouco por toda a nossa sociedade está a causa do desaparecimento da diversidade cultural que até há umas décadas a Europa gozava.
Aliar os princípios liberais ao igualitarismo da democracia implica uma total confiança na mentalidade das populações.

O que os liberais-democratas afirmam, muitas vezes, é que acreditam na separação de poderes no rule of law para limitar os desejos mórbidos da populaça. O que se esquecem é que a partir do momento em que confiam à guarida da Opinião Pública a manutenção do império da Lei, estão a engavetar a Lei Natural. Enquanto John Locke viveu numa comunidade protestante coesa e cujos valores morais eram semelhantes (comunidade parecida com a que Tocqueville encontrou) também ele se viu necessitado a manter os católicos fora da sua equação de Tolerância.
Para eles, aparentemente, não funcionou o rule of law. E porquê? Porque o liberalismo-democrático depende, inerentemente, da sujeição das minorias à cultura maioritária: coisa que os católicos se recusaram terminantemente a acatar.
Como pode um liberal-democrata sobreviver num país onde impere o ódio racial por uma minoria ou um sentimento generalizado de ódio perante a iniciativa privada? Onde as próprias leis desse país assegurassem que, de forma a tornar a paisagem segura para a democracia (i.e. a igualdade), se implantasse um sistema de educação sexual que planificasse a mentalidade de todos os cidadãos perante um tipo específico de sexualidade?
E chegamos à altura em que nos perguntamos até que ponto é que as democracias liberais de hoje se mostram, de alguma forma, liberais?
O crescimento do Estado nos países protestantes é visível, bem como a violência policial, e a intervenção dos parlamentos democraticamente massificados na vida das pessoas.
Dizer que os EUA são a terra do liberalismo e da propriedade privada é um truque de wishfull thinking. O que vemos hoje em dia é o crescimento desmesurado do governo central sobre as autonomias locais e sobre os direitos dos indivíduos.
Com o crescimento das democracias parlamentares de massas, inexoravelmente, vem o controlo do governo sobre os aspectos mais íntimos da vida das pessoas. Reparamos nisso quando comparámos os poderes que Luis XIV tinha com os actualmente detidos pelos parlamentos nacionais.
Os esforços dos nossos liberais democratas em divinizar a tradição anglo-saxónica parlamentar (que Tocqueville, já agora, é dos primeiros a achá-la intransmitível aos povos continentais) desconhece certos acontecimentos da política americana, como o Volstead Act, e as fortes medidas legais que muitos países democráticos do Norte da Europa mantinham, ainda, a todos os que professavam o catolicismo.
Nacionalizações, quotas, legislação sobre costumes sociais, codificações de costumes legais, direitos e deveres generosamente concedidos ao cidadão através de uma cláusula assinada unilateralmente, tudo isto foram novidades introduzidas pelo parlamentarismo democrático, tanto no Continente como na esfera Anglo-Saxónica.
Assim sendo, parece-me que o princípio liberal está completamente independente da democracia, a menos que consideremos que a Liberdade deve andar permanentemente de mãos dadas com a Igualdade. O regime perfeito do liberal (sendo que liberal é, nessa definição, aquele que procura o maior ratio possível de liberdade para si e para a sua sociedade) será aquele que se abstenha de interfirir o mais possível na esfera privada do cidadãos de forma a impôr-lhe decisões que ele não tomou nem pode se responsabilizar por elas.
Isto colide, obviamente, com a perspectiva utilitarista da democracia, do "melhor para o maior número". Se uma maioria considerar a expropriação das terras da Igreja Católica como uma medida necessária para desafectar os bens de mão morta existentes no país, o que resta à Igreja senão se preparar para mais uma expoliação? Esta medida não foi apenas defendida pelos "falsos liberais" de 1834, mas ainda é defendida por muitos autores da nossa Direita, como o professor Mota Pinto na sua Introdução ao Estudo da Teoria Geral do Direito Civil.
A expropriação colectiva não uma possibilidade improvável numa democracia-liberal. Já o vimos praticado várias vezes em vários locais do mundo.
Tratar a democracia como tabu, apenas porque se discorda da generalização a que se atribui esta palavra, é o passatempo preferido da direita actual. A conversinha da treta de Winston Churchill impera. O pragmatismo utópico, ainda por cima hipócrita, que nos diz que ao invés de advogarmos um bem, devemos procurar o menor mal. Esse menor mal encontra-se no igualitarismo democrático.
Na luta entre a Liberdade e a Igualdade a liberal-democracia falhou em todas as frentes, devido ao seu carácter indeciso e frustrado.
As actuais nações democráticas vivem elas mesmas numa espécie de torpor claustrofóbico, assustadas com a sua falência estrutural e o esvaziamento do seu simbolismo. Além das lutas de implantação democrática, que já violaram as fronteiras da Sérvia e empandeiraram os Estados Unidos e os seus lacaios institucionais (a NATO e os seus aliados Ocidentais) no mais puro militarismo jacobino, e que leva tantos dos nossos conservadores-liberais a defender Israel apenas porque o seu Governo tem legitimidade democrática para perpetrar os seus variados crimes contra as populações da região.
Se a Direita crê na irracionalidade do igualitarismo económico, porque mantemos qualquer tipo de crença no igualitarismo político?

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves