terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Crítica de concerto (V)

3 - Fevereiro - 011
19:30
MuPa - Auditório Béla Bartók

Foi nesta sala em Budapest que ouvi a Orquestra Filarmónica de Los Angeles, dirigida pelo maestro Gustavo Dudamel, interpretar a 9ª Sinfonia de Gustav Mahler, cujo 100º aniversário da morte é celebrado este ano.
Maestro com muita energia, que bate com o pé, com grande estrondo e reverberação, sempre que o seu corpo precisa. Mexe-se de tal forma que o seu cabelo "é todo um universo de comandos para a orquestra"!
O início foi periclitante, com uma articulação demasiada curta, seca, como que a aquecer /com receio.
Depois, como que num só impulso, toda a orquestra é envolvida numa energia desbravadora, o que cria algo crispado, brusco, um choque com a parte anterior.
Pude constatar uma orquestra, ao longo da longa Sinfonia, sempre muito concentrada, com os instrumentos quase todos bem afinados (um ou outro timbale, num ou noutro momento onde afinar é deveras complicado, pois a orquestra está em êxtase).

Algumas pessoas saíram a meio, dentre elas nem o 2ºandamento chegaram a ouvir, não estariam a gostar, por certo. Esta percepção contrasta com o que soube dos concertos que deu na Gulbenkian, semanas antes, em Lisboa, com grande êxito. Mas sobre o êxito lá chegaremos.

Nas passagens entre a dinâmica forte e o decrescendo de tensão (e vice-versa), a direcção parecia precipitada, as passagens pouco interligadas; não sei se é da partitura - pois se já não me lembro muito bem dos apontamentos acerca desta Sinfonia que retirei das excelentes aulas que tive com um Professor que conseguiu a proeza de tirar o doutoramento acerca da Obra e Vida de Mahler entre Oxford, Cambridge e Harvard - mas havia momentos em que sentia:
Ehhh lá, já estou aqui, nesta imensa montanha sonora?
Mostrou as muitas brincadeiras, interrupções de temas, variedades tímbricas, sobreposição de importância naipes de forma muito cru, a nu. Faltou um pouco de humor mais fino, mais gentleman, um pouco da bonomia e sapiência de Bernstein.

Esta sinfonia tem partes tremendamente dramáticas, como na 6ª e outras partes mais folclóricas, populares, irónicas e divertidas, como a 4ª (2º andamento).
Tem, também, partes de pura música de câmara (só com os instrumentos de cordas), um solo de flauta transversal esplendidamente interpretado, com grandes linhas, óptima afinação e timbre, suaves ondulações. Delicioso.


Momento da noite : o Fim.
O Maestro consegue criar outra dimensão espacial e temporal, uma dissolução da música; ela desaparece por ela própria, chegando ao pianíssimo dos pianissíssimos.
Depois...
Bem, depois só restou o puro silêncio de uma audiência respeitadora da Grande Música, enquanto Dudamel se manteve em escuta, no recolhimento necessário depois da profusão de sons que inundaram a belíssima sala do MuPa.
Baixando
muito
lentamente
os braços,
como que mantendo a melodia e harmonia a soarem na cabeça dele
(e na nossa, se entrados no
espírito).
Um sentimento de unidade eterna em volta do inatingível - o Fim - a não realização total do material musical,
a desintegração
tudo foi deixado soar livremente.
Quando, passados bastantes minutos, o maestro acaba de baixar os braços, o público começa, timidamente, a bater palmas. O maestro ainda em transe, sai do palco sem olhar para o público.
Reentra, só olha para os seus músicos e manda levantar cada elemento de cada naipe de instrumentos, sopros, percussão etc e por fim os chefes de naipe de cordas. E todos de uma vez.
E só aí, num gesto de humildade perante a orquestra e a música e seu compositor, ele agradece no meio desta ao público, algo nada usual.
Volta, repete tudo, sai, volta, tudo se renova.
O público pede 1 extra - na véspera tinha tido 2, um deles uma dança húngara de Brahms - mas não lhe foi concedido nenhum. Aquele fim tinha de ficar imperturbável.
O público tem, por vezes, de aceitar só o programa definido; se este é interpretado com tamanha honestidade (embora com as devidas observações atrás mencionadas), nada mais há a acrescentar a este concerto. Depois desta obra nada mais se podia tocar ou ouvir.
Só por isto valeu a pena eu e as minhas amigas termos levado com 10 graus negativos na cara, o que chateia qualquer um.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves