quinta-feira, 15 de julho de 2021

A lei da Katana

 Em 2018, eu e o Guido Bruno produzimos esta pequena peça para o jornal O Diabo, sobre a África do Sul. Parte desta investigação saiu mais tarde no Primato Nazionale, assinado pelo Guido.

Não foi preciso andar infiltrado. Reportamos aquilo que qualquer um, com o mínimo de curiosidade e sentido de missão, reportaria. A insegurança da comunidade boer, o radicalismo sanguinário do neo-marxismo africano. O país, na altura, não quis saber.



 

O fim de um sonho – a luta dos agricultores sul-africanos contra o ódio racial

Por Manuel Rezende

Passados cinco anos desde a morte de Mandela e o sonho de uma nação arco-íris já está a desabar na África do Sul. Uma população divida, tensões raciais rampantes e uma crescente cultura de violência contra a população branca marcam a última década daquela que já foi a mais próspera nação africana. A demissão de Jacob Zuma, ex-presidente sul-africano e ex-líder do partido ANC e a eleição de Cyril Ramaphosa, o novo caudilho do ANC, não contribui para esclarecer as dúvidas quanto ao futuro do país.

7 novembro de 2016, Newcastle, província do KwalaZulu-Natal, na África do Sul, Julius Malema (“Juju” para os seus apoiantes), presidente do partido marxista-leninista EFF (Economical Freedom Fighters) e autor do Manifesto “The Coming Revolution” discursa perante os seus militantes. Está de fato e gravata e acabou de se apresentar no tribunal da mesma cidade para responder a acusações de incitação ao ódio e à ocupação hostil das terras dos agricultores brancos.

O que ficou gravado pela televisão nacional, a SABC News, ficou registado para a história e está disponível em formato digital no Youtube – Juju Malema explica a uma massa trajada de vermelho o que vai ser o futuro da África do Sul. Este futuro não passa por Zuma, não passa pelo ANC, não passa pela paz nem pelo compromisso, não passa pelos brancos. A república constitucional já não existe, o parlamento é corrupto, logo a decisão dos tribunais já não é válida nem aplicável. A revolução seguirá em frente, o homem branco vive demasiado confortável há demasiado tempo. “Não estamos a apelar ao massacre da população branca” afirma, “pelo menos não por agora”, seguindo-se à polémica constatação uma geral risada. A acompanhar a arenga às massas, uma multidão sedenta por sangue, vestida na mesma cor, em danças coreografadas a gesticular o cortar de gargantas e o disparar das AK-47.

Os radicais do EFF notabilizam-se pela sua posição extrema em relação à expropriação das terras dos agricultores brancos, mas não são os únicos no país. Entre os grupos mais violentos, o BLF (Blacks First Land First), capitaneado por um dissidente do EFF, Andile Mngxitame, advoga meios ainda mais extremos, organiza ocupações de propriedades e proclama abertamente a inevitabilidade de uma guerra racial.

Enganam-se porém aqueles que julgam que a violação dos direitos dos proprietários é um monopólio dos radicalismos marxistas-leninistas. O eterno partido do governo, o ANC de Nelson Mandela, de Jacob Zuma e agora de Ramaphosa, votou em comício interno no ano de 2017 a necessidade de proceder à expropriação geral sem indemnização. Isso mesmo, não leu mal – a expropriação da classe latifundiária branca deve seguir, urgentemente, em frente e sem o pagamento da devida indemização aos seus proprietários, em nome da redistribuição da terra, da justiça social das classes oprimidas e da imposição da vontade da maioria negra da população. O discurso não é novo e já conheceu nos anos 70 uma versão, com as devidas adaptações, em Portugal.

Mas será que a posição dos brancos na África do Sul é assim tão confortável? A população branca não ultrapassa os 8,1% do total, sendo que deste número a maioria vive em cidades e trabalha no sector terciário. Apenas uma parte desta minoria, cada vez mais desprotegida e cada vez menos representada no parlamento, são agricultores, muitos deles afrikaners, ou seja, descendentes dos grandes movimentos de colonos de ascendência holandesa, inglesa, francesa, alemã, sueca, dinamarquesa, belga e até portuguesa que rasgaram o Trasnvaal e estabeleceram-se essencialmente como agricultores a partir do século XVII e XVIII. Nessas profundezas do sertão africano criaram-se as repúblicas Boers e esta população resistiu corajosamente à aridez do solo, à violência dos campos de concentração genocidas do Império Britânico, à animosidade das tribos indígenas e, mais recentemente, à diáspora criada pela violência racial. Neste momento, os afrikaners são a maioria da população branca na África do Sul e o motor da agricultura nacional.

Povo de gente dura, os agricultores sul-africanos fazem parte do pequeno número de cidadãos pagadores de impostos, numa nação em que 16 milhões de pessoas (30% da população) estão dependentes de gratificações do Estado.

A insustentabilidade da economia sul-africana é reforçada pela escala da corrupção (a expressão “state capture” está generalizada nos media) que colocou todo o aparelho de Estado nas mãos do deposto Jacob Zuma e do clã Gupta, uma família de empresários que enriqueceu às custas do erário público, chegando a contratar a falecida empresa de relações públicas Bell Pottinger para difamar jornalistas que ousem criticar o ANC.

Com vista a extender o seu poder, Jacob Zuma aplicou as técnicas de instabilidade induzida no seio do seu próprio governo, que aprendeu com outros líderes leninistas, como Mao ou Estaline: de 2014 a 2017, nomearam-se 12 ministérios, substituíram-se 125 ministros e procederam-se a inúmeras outras substituições em outros cargos menores, o mais chocante será talvez o cargo correspondente ao de Director Geral da Administração Interna, que já foi ocupado por 180 pessoas diferentes, de acordo com dados do South African Institute of Race Relations.

O sucessor de Zuma, o ex-sindicalista Cyril Ramaphosa, elemento chave nas negociações pacificadoras de Nelson Mandela e actualmente um dos mais importantes milionários do país (tendo estado à frente da McDonald’s da África do Sul), surge nos media internacionais como uma espécie de salvador da pátria, mas os seus contactos obscuros com outros grupos de interesse, assim como suspeitas em relação ao seu abrupto enriquecimento, levantam muitas reservas em sectores mais cépticos que os dos chamados meios oficiais de comunicação.

Hoje em dia, a África do Sul tem a 5ª maior taxa de homicídios do mundo. A insegurança no país é visível nos números: a força policial de 130.000 agentes não merece a confiança da sociedade, que se viu na necessidade de recorrer a serviços privatidos. O que não é de espantar, uma vez que em 2016 o jornal The South African mencionava o desaparecimento de 6.600 armas das mãos da polícia sul-africana desde 2011. 

Cerca de 490.000 seguranças privados estão de serviço no país, desde empresas especializadas até a grupos organizados de cidadãos que guardam a tranquilidade dos seus bairros. O esforço pelo policiamento torna-se quase impossível nas zonas rurais, onde a grande propriedade é a única forma de conferir rentabilidade numa terra que está, correntemente, a passar por uma seca grave. Ou seja, não chega a luta diária contra o clima, os agricultores brancos na África do Sul ainda têm de lidar com uma taxa de homicídios 4 vezes superior à da restante população, sendo que a frequência dos ataques chega a um por dia. Na imensidão da planície africana, mulheres e crianças ficam sozinhas e isoladas durante o dia enquanto os maridos vão tratar da lavoura. A maioria dos ataques ocorrem, ao que parece, nas horas mortas do dia, quando os agricultores chegam do trabalho, apenas para se verem cercados de bandos armados com paus, katanas e armas de fogo. É esta a classe opressora que o governo sul-africano persegue, através da carga fiscal, da corrupção endémica e da culpabilização política de todos os males que afectam o estado. O sonho de Mandela parece ter chegado ao fim, mas o pesadelo dos sul-africanos brancos continua muito vivo e o clima de terror não parece atenuar.

domingo, 23 de maio de 2021

Dalila Pereira da Costa, "Raízes arcaicas da epopeia portuguesa e camoniana"

Em Creta, uma religião de fundo feminino, ctónico, aquático, haverá, com uma estimativa não-racional da vida, um halo de doçura e não-violência, que ao nível das relações humanas, colectivas e históricas, se revelaria pela forma como foi levada a cabo uma talassocracia. Cultura e religião marcadamente matriarcal e telúrica, toda ela surgirá dum carácter profundamente emotivo e passional: esse carácter levando a alma dos homens ao limite do extático, como ponto de transcensão do humano e terrestre. Segundo o testemunho de Diodoro, a religião dos cretenses, adoptava a forma das religiões de 《mistérios 》, que, posteriormente, os gregos arianos haveriam de repudiar. E será essa religião a que na Grécia, se prolongará pelo orfismo, culto de Dionísio e culto de Deméter em Elensis. Preferentemente realizando-se entre deuses e homens, vida e morte, passado e futuro, terra e céu, uma relação mais pelo sentimento do que por actos formais e pela abstracção - o destino dos homens nunca sendo desligado do destino dos deuses que, como filhos da terra e do céu, serão passíveis de nascimento, paixão e morte: essa solidariedade realizando-se entre o céu e a terra, nos liames duma religião de salvação. Será esse fundo pré-helénico, como cosmovisão e experiência da vida articulada numa estrutura perfeita, complexa e coerente, toda ela criando uma específica idade e civilização dos homens, a Idade do Bronze mediterrânica, aquela que os aqueus, ao transportarem-na para o continente, haveriam de posteriormente preterir e depois os dórios, substituir de todo por uma religião patriarcal e urânica sob a égide de Zeus, depois na época greco-latina, fundamentalmente racionalizada, humanizada, formal e desmistificada.

Mas na Europa, outro espaço teria havido, comsagrado para perseverar a herança duma civilização matriarcal pré-ariana e de sua religião: para além de Eleusis, da Grande-Grécia, Sicília, Trácia, Golfo de Sirte... como outro espaço depositário e depois ainda transmissor dessa herança, surge a 《ocidental praia lusitana》: como espaço limite da Europa, 《onde a terra se acaba e o mar começa》, situado sobre um abismo, o do mar primordial, Mar Tenebroso; sobre ele e depois para além dele, Portugal teria aqui preservado uma alma antiga, de todo destruída ou negada no resto do Ocidente: e depois a teria feito transitar, a mesma a outra, porque transmutada, para além desse mar.

Será o carácter duma civilização pré-indo-europeia, aquele que marcadamente se continuará e comfirmará em toda a Tradição em Portugal e sua expansão no Mundo.

Perseverando no extremo do Ocidente e depois por si levando a todos os continentes uma religião naturalista, mas a um tempo unindo imanente e transcendente, evoluída e envolvida num alto e complexo simbolismo, tal como aquela uma vez criada em Creta, surgindo no seu todo ainda como uma religião estruturada sob a égide da Mãe-Divina como poder supremo sobre o mundo animal, vegetal e dos homens, dos mortos e dos vivos, do céu e da terra e dos infernos, e em que o terror da morte fora abolido por uma visão totalizante e amante da vida - serão esses os sinais testemunhados na antiga civilização pré-helénica, os que, semelhantemente, marcarão ainda outra civilização e talassocracia, agora a partir, não do Mediterrâneo, mas do Atlântico, a lusíada. E fundando-se ainda, no período do seu esplendor, na amenidadr e fraternidade entre os homens, sob a protecção da Virgem e do Menino Redentor - como novas formas da Grande-Deusa e da Criança Divina.

domingo, 4 de abril de 2021

As influências semíticas no culto do Sol Invictus

 "Durante a anarquia do século III, o movimento que tendia a divinizar o Imperador em vida acentuara-se. Todos os Príncipes desse tempo se faziam representar nas moedas com uma coroa resplandescente na cabeça, o que exprimia a pretensão de serem considerados divindades solares. É muito provável que esta ambição, já sensível em Nero - e da qual podemos distinguir marcas no apolonismo de Augusto - se tenha visto reforçada, sobretudo depois de Elagábalo, pelos Severos, cujas ligações sírias explicam o misticismo e atracção particular pelo deus Sol de Emeso. Aureliano criara oficialmente em Roma um culto do Sol, cujo templo magnífico ultrapassava em extensão o das velhas divindades nacionais. Nessa época, o Sol, astro benéfico por excelência, é o grande deus da religião sincrética em que se misturam crenças masdeístas e semíticas e o Imperador, identificando-se com ele, afirma-se como Pantocrator, senhor do universo, de todo o cosmo."



Pierra Grimal (A Civilização Romana)


Na imagem: apesar de o culto ao deus Sol já existir em Roma desde os tempos da República, foi Aureliano que instituiu o culto do Sol Invictus incutindo-lhe elementos do culto de Malakbel (aramaico para "mensageiro de Baal"), deus-sol dos povos semitas nabateus, aqui visível à direita, contextualizado na tríade divina que o acompanha, o deus lunar Aglibol e o deus celestial Baalshamin.

Estela encontrada em Palmira, datada do século I d. C.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves