e de como estão prestes a perder a Guerra, se não mudarem de táctica.
Quando o Muro caiu, há 23 anos atrás, poucos dentro da Igreja Católica poderiam pensar que a principal ofensiva cultural contra os valores religiosos da sociedade ocidental ainda estava para vir.
Após um século de combate contra o relativismo moral, o socialismo, o individualismo e o comunismo, a Igreja Portuguesa encontrava-se refasteladamente encostada ao novo regime democrático, manobrando na penumbra a pouca influência que ainda tinha dentro do Estado e da vida sócio-cultural do País. Depois de um século panfletário como o século XIX, depois da pujança ideológica e intelectual da primeira metade do século XX, a Igreja chegava ao virar de século desarmada - os pasquins católicos, os jornais conservadores e tradicionalistas, as publicações de obras de pensadores e políticos da Doutrina Social da Igreja, tudo isso desapareceu ou recuou em audiência até chegar à irrelevância. A Igreja continuava forte, as suas congregações ainda movimentavam as comunidades urbanas e rurais - no entanto, o seu papel nos destinos do pensamento político do País esfumava-se nos poucos políticos católicos (e quase todos católicos progressistas) que permitia o Estado do pós-25 de Abril. A principal culpada desta retirada foi, e é, a ideia retirada de um certo espírito pós-Concilio Vaticano II que dita que a Igreja só se deve envolver na política através dos leigos, ou que todos os esforços de aplicar a Doutrina Social da Igreja devem ficar-se pelos programas dos partidos democrata-cristãos.
Com isto, não pretendo defender a presença de bispos e padres no parlamento da República. A capacidade de os clérigos contribuírem para o descrédito da Igreja Católica na sociedade tem sido fartamente comprovada pela acção de muitos dos últimos bispos portugueses, especialmente D. Januário Torgal.
No entanto, não existe uma única revista de alcance nacional, ou jornal, inteiramente votado às doutrinas da Igreja, à cosmovisão católica dos problemas do país. As congregações católicas perdem-se em tercinhos e em passeatas, mas não existe num país com 80% de católicos uma publicação mensal que combata o socialismo, a devassidão moral, as concepções new age do casamento e do "direito ao corpo", a corrupção do Estado ou o espoliar violento que tem vindo a sofrer o nosso património público.
Em vez disso, a agenda católica para a política prende-se no retardamento de reformas que os próprios líderes da comunidade sentem ser, ao fim e ao cabo, imparáveis. A atitude meramente reaccionária, meramente defensiva, de perpétuo cerco sem perspectivas de socorro, só pode trazer às fileiras do cristianismo o desânimo e o desespero. Essa atitude defensiva girava à volta de alguns princípios inegociáveis, ou assim pensa a Igreja quando os discute com o Estado Português: o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Quis a Igreja descansar sobre os seus louros após a primeira vitória no referendo do aborto - no entanto, nada fez para combater a proliferação da cultura do contraceptivo, chegando até alguns dos seus "sequazes" a apoiá-la. Quando chegou a altura de se bater nas urnas pela segunda vez, uma nova geração estava já preparada para aceitar, naturalmente, o alargamento do período do aborto e do seu uso como novo contraceptivo. Quis a Igreja combater, com marchas e artigos e entrevistas, o casamento homossexual - no entanto, não mostrou metade do ardor para combater os sucessivos regimes de divórcio, que o facilitavam ao ponto de o casamento se tornar no mais frágil contrato do código civil português. Quando a maioria parlamentar e o governo quiseram, por fim, acabar de perverter totalmente esse instituto, já metade do caminho estava andado na corrupção. Só os católicos, e a Igreja, não quiseram ver isso.
No entanto, nos bastidores da política, a Esquerda ataca noutros sentidos com o mesmo fervor com que ataca os pontos "inegociáveis" da ICAR. Hoje em dia, o catolicismo nada tem a dizer sobre a subsidiariedade, a democracia, a economia e a propriedade. Da Doutrina Social da Igreja sobram princípios vagos e mal-entendidos que já começam a ser gozados nas faculdades de Verão dos partidos ditos "de direita".
Nada diz a Igreja sobre a forma como a propriedade está distribuída no país. Os conceitos individualistas são aceites com a mesma complacência com que se torce o nariz às investidas estatistas nos domínios da cultura, da arte, do poder local e até da caridade. O ataque aos símbolos nacionais, a destruição do ambiente e da paisagem portuguesa - tudo isso são causas que o conservadorismo católico esqueceu ou relelgou para a Esquerda. Absorvendo estas causas, a Esquerda adaptou-as à sua ortodoxia. O mesmo fez com o estudo da História, da Sociologia, da Artes. Não há influência católica relevante no cinema ou na pintura portuguesa. Do que se escreve sobre o passado, muito é feito às custas da nossa antiga religião, com a pior das intenções, ainda que tenha sido pior nos anos 70.
Tudo isto porque, das organizações, associações, paróquias, ordens e conventos, congregações e prelaturas, que a Igreja tem em Portugal, nem um tostão é direccionado para a Batalha Cultural que o "progressismo" ganha, todos os dias, nos jornais e nas televisões nacionais. Não existe uma escola intelectual para a Doutrina Social da Igreja que influencia uma publicação regular sequer, não existem projectos apostados numa nova estética, numa nova mensagem que conduza a tradição e doutrina católicas às massas. Os donos dos media ganharam à Igreja uma batalha que o Islamismo e o Protestantismo não conseguiram - durante duas décadas, ou mais, calaram a voz pública da Igreja e separaram-na dos fiéis. Se no fim dos anos 80 a indignação dos católicos se faz ouvir para um sketch de Herman José que ataca a Rainha Santa Isabel, na primeira década do século XXI os Gato Fedorento podem retratar Jesus, no canal público de um país predominantemente católico, da forma que lhes apetecer. Afinal de contas, os católicos aprenderam a ser modernos e tolerantes.
A Igreja não possui, neste século, nenhum equipamento próprio para enfrentar a modernidade. Não possui uma Teoria, porque não tem veículos que a transportem até as pessoas. Não possui uma Estética, uma vez que os seus próprios valores morais estão dependentes das apreciações morais dos novos tempos - e sem moral não se constrói, imita-se. Se há movimentos que tentam criar o seu próprio espaço na sociedade política, logo são desaconselhados a usar o nome "católicos". Como se o nome fosse um desincentivo à simpatia dos outros grupos. E se for? Que alternativas temos, e que alternativas tiveram os primeiros cristãos? Por muito mal vistos que fossem pela sociedade romana, nunca lhes passou pela cabeça chamarem-se "Grupos de Amigos da Pesca" ou "Associação Sal da Terra".
A Igreja enfrenta vários desafios neste século que agora começa. No entanto, nenhum desafio é maior para a Igreja do que encontrar, de novo, a forma de se exprimir dentro da sociedade. Essa expressão terá que assumir uma imagem de força, de confiança, de caridade e de esperança - uma mensagem verdadeiramente jovem, enérgica, capaz de assegurar pela força da oração e da acção uma nova aurora para Portugal e para aquilo que realmente Portugal significa. E isso só se faz autonomizando a Igreja - arrancando-a dos moldes da sociedade moderna em que alguns bem-intencionados padrecos pra frentex lhe impuseram (os mesmos que acusam a minha geração de sermos os "adolescentes conservadores e reaccionários"), dando-lhe símbolos próprios, intelectuais próprios, economistas próprios, arquitectos próprios, historiadores próprios, juristas próprios - e acima de tudo isso, artistas e poetas próprios.
Talvez agora, que os "inegociáveis" que os bispos mantiveram a custo durante os primeiros 40 anos da Igreja se foram à vida, uma nova fase se abra para a Igreja e para os cristãos, Uma fase em que estes finalmente percebam que não têm nada a perder no espectro político, porque já nada têm, e tudo a ganhar no prisma espiritual.