«Hunting the tiger. Ele encontrou a expressão exacta do que qualquer homem digno desse nome é capaz de experimentar um dia ou outro, este filho de uma raça jovem e audaciosa que enterrámos há pouco, com vinte dos seus camaradas. O combate faz parte das paixões de primeira grandeza. E ainda não vi alguém que o instante da vitória não tenha emocionado. Amanhã isso vai tornar a apoderar-se de nós, quando, após uma rápida luta de morte, depois de um desencadeamento dos meios mais refinados, depois do gigantesco desdobramento de forças de que o homem moderno é capaz, tivermos fixado os olhos no fundo do desfiladeiro e no seu fervilhar de fugitivos. E, uma vez mais, todos soltarão, de uma boca que se escancara em goela, esse grito demente, esse grito longo que tantas vezes nos trespassou os ouvidos. É um canto infinitamente velho que ressurge da nossa alvorada e que nunca se teria pensado que ainda estivesse vivo em nós.
Amanhã reviveremos um desses instantes, e talvez agora mesmo, do outro lado, serpenteiem através do fogo os pequenos grupos que vamos enfrentar. Nunca nos vimos, e revestimos, por isso, uns para os outros a importância do destino. "Deve ser terrível matar pessoas que nunca viram." É o que se ouve, muitas vezes, quando se está de licença, longe do fogo, da boca da gente com tendência para as considerações sentimentais. "Sim, se ao menos eles vos tivessem feito alguma coisa." Está tudo dito. Têm de odiar, têm de ter um móbil pessoal para matar. Que se possa respeitar o adversário, mesmo quando nos batemos, não, evidentemente, contra o homem, mas contra o princípio puro, que alguém possa empenhar-se por uma ideia e por todos os meios do espírito e da violência, inclusive o lança-chamas e os gases de combate, são coisas que nunca compreenderão. Só se pode discutir isso entre homens. Enquanto ser pensante, não se pode matar sem outra forma de processo. Quanto mais nos sentimos ligados à vida pelo músculo, o coração e o cérebro, mais temos por ela um profundo respeito. Mas um dia, cedo ou tarde, reconhece-se que o devir está acima da vida.»
Ernst Jünger, A Guerra como Experiência Interior. Ulisseia, 2005, pág. 93