(trascrição em VII partes do artigo publicado n'O Diabo, 27 de Agosto de 2013)
O papel que Dom Miguel
desempenha na nossa história está ligado a esse duríssimo combate entre a
Tradição e a Modernidade que assaltou o Mundo Ocidental a partir do século
XVIII. Esse assalto prende-se, contudo, à destruição da unidade do mundo
cristão iniciado pela Reforma Protestante do século XVI. A grande tradição
europeia está povoada das lendas de grandes reis que purificaram os seus reinos
após períodos turbulentos de caos e desordem: desde o Rei Artur, passando por
São Fernando de Castela e São Luís de França, o grande Santo Estevão dos
Húngaros ou Frederico Barba-Ruiva para os imperiais germânicos, todos estes
personagens de qualidades míticas possuíam um grupo de qualidades comuns. Eram
homens pios, corajosos e valentes, detentores de algum tipo de habilidade
mágica (como o dom de curar) que asseverava a sua concordância com a natureza
divina da sua Realeza.
A personalidade
profundamente europeia desta tradição cavaleiresca está plasmada nos Nove da
Fama, os modelos exemplares do ideal de cavalaria, que sintetizam as três
tradições que formam a Europa: a pagã ou gentia (através de Heitor de Tróia, Alexandre Magno e Júlio César), a hebraica (através de Josué, filho de Abraão e
conquistador de Canaã, David, rei de Jerusalém e Judas Macabeu, reconquistador
da liberdade dos israelitas) e por fim, a cristã (Artur, rei dos Bretões e dos
Cavaleiros da Távola Redonda, Carlos Magno, Primeiro Imperador do Sacro-Império
e Pai da Europa, Godofredo de Bulhão, cruzado e Guardião do Santo Sepulcro).
A reforma protestante e
mais tarde a ruptura iluminista, especialmente na sua vertente revolucionária,
deitam por terra esta cultura conjunta, criando uma nova religião social sobre
as ruínas da antiga ordem: o Liberalismo, posteriormente os seus sucedâneos
Capitalismo e Socialismo. O mundo da Tradição não é, contudo, derrotado
facilmente, e através dos seus paladinos, entre os quais se conta em posição de
relevo Dom Miguel, resiste.