segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Recordações da Hungria (VI)

Esquilos, montes de esquilos.
Árvores, muitas árvores. De fruto, de folhagem, de contagem decrescente para o quarto crescente lunar.
Eram momentos de pura leveza, rebelião das águas do rio Danúbio contra as pedras de pouca envergadura que ladeavam aquela parte da Ilha Margaret, mesmo no meio deste inigualável, insofismável, grandioso, fogoso, longo rio, junto à capital de uma parte do, outrora, Império Austro-Húngaro. Budapest era, de um lado e do outro, existência civilizacional à parte.
Ora olhava-se para a esquerda, Buda, o Castelo, símbolo de decadência pela sua escadaria pouco cuidada, portas fechadas e degradas, quase em ruína, essas de entrada daquela "Villa" privada, senhorial. Para a direita, Pest, o centro, a Música, as paixões, as convivências a pulularem por entre edifícios históricos, pessoas em feriados nacionais histriónicas.

Naquele lugar, porém, nada disso vinha ter connosco, mesmo que ao de leve.
Tínhamos o nosso próprio silêncio.
O que fazíamos era muito mais prazeiroso, tentar tirar fotos a esquilos, montes de esquilos.
A minha reluzente companheira nessas andanças, nesses correres e saltares tão pueris, perfilhava-se como uma sedutora de esquilos perfeita.
Lembro-me como se fosse hoje, sentia aquela aragem perfumada de tudo e de nada e afinal era só a face a corar de tanto correr através do bosque.

Até que, enfim, nos sentámos, completamente corroídos por essa benevolência do corpo: o cansaço.
Ao lado dos bancos estendia-se uma das poucas áreas que não tínhamos calcorreado. Escorrego, deslizo, espreguiço-me por entre a verdura ainda fresca desse rigoroso inverno.

Ela continua a falar das aulas que teve com o irmão de Ivo Pogorelich, um tanto ou quanto boas demais para quem também tinha laivos de loucura, poucos é certo - ela sublinhava isto com veemência, chegando quase a começar a falar no seu idioma. Eram coisas que lhe inculcavam amor à Pátria, amor à Música.

Eu ainda me deliciava com aquele cheiro pressentido, reflectido no meu espelho sensorial que, por qualquer razão ainda hoje inexplicável, era de tâmaras.

Que saudades daquelas caminhadas, daqueles passeios ao domingo, daquele tempo passado a reflectir, com aquela prestimosa, sedutora de esquilos muito engraçada.

Em suma, aquilo foi uma adorável peregrinação pelos locais escondidos e reveladores do

šuma.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves