Que seja monárquica ou republicana a forma de governo, que se chame aristocrática ou democrática, isso importa, com efeito, pouco à classe dominante, porque isso não traduz para ela absolutamente ideia alguma. Ao lado de qualquer forma aparente e exterior de governo ela pode constituir-se como íntimo e verdadeiro governo; não chegou a sê-lo ainda na Idade Média? Não o foi depois com as monarquias? Não o é hoje? Para nós também é relativamente indiferente a forma aparente e exterior que o governo adquire, sempre que ela corresponda à época evolutiva em que existe; mas é-nos essencialmente importante que essa forma seja em si a forma íntima, a verdadeira expressão da sociedade, e não o manto exterior que cobre a oligarquia. A nossa antipatia é portante íntima, orgânica, irremediável.
Que seja monárquica ou republicana a forma de governo, isso importa com efeito pouco à bancoburocracia que nos governa; mas que o povo saia um dia do estado comatoso, que um grupo forte pela Ideia e suficientemente forte pelo número se imponha ao mundo actual e lhe retire das mãos as armas do seu predomínio, isso importará tudo à burguesia político-bancária portuguesa.
Oliveira Martins, Portugal e o Socialismo. Lisboa: Guimarães Editores, 1953, p.33