domingo, 7 de junho de 2015

Calções Brancos não fazem um Cavalheiro

 Não respeita o chá das cinco, e não conhece pessoalmente a Rainha de Inglaterra. Considera-se, contudo e na maioria dos casos, um “conservador à inglesa”. Não raras vezes, é o produto acabado de uma mistura estranha entre Disraeli e de Gaulle, cozinhada pelo Prof. Espada. É um constitucionalista avançado: a questão do regime, das dinastias, são para ele meros detalhes medievais herdados de um passado não poucas vezes desconfortável. Herda o pior de dois mundos numa civilização decadente e desinteressada: senhoras e senhores, apresento-vos o “conservador-liberal”. 
O exemplo britânico é, para este ideólogo de blogue e Jota, perfeito, tal como o torneio de Wimbledon. De facto, tal como no evento mundialmente famoso, nas instituições inglesas reina uma respeitabilidade virginal. Da mesma maneira que os tenistas se vestem de branco, continuando uma tradição muito antiga de cavalheirismo, também os parlamentares ingleses se reunem em amena cavaqueira, os juízes usam perucas, os lordes são lordes e dizem coisas, a rainha usa uma coroa e os escândalos e divórcios da Família Real são tratados pela Direita inglesa com aquele embaraço delicodoce típicos da mais hipócrita ética burguesa. Até uma coisa popularucha como a Democracia parece histórica e “orgânica”. 
Ora, não é preciso ser-se um grande historiador para entender que em Inglaterra nunca houve uma evolução contínua das instituições democráticas. O moderado conservador inglês não aprendeu a negociar a própria alma com o diabo bebericando chá de hortelã. A história inglesa é um rol de massacres e razias contínuas desde a Guerra das Rosas, e especialmente a partir da Revolução Gloriosa é a história sangrenta de uma oligarquia poderosa que esfacela, mói e trucida o zé-povinho, quer através do fim das corporações profissionais (processo iniciado no séc XVII e que é directamente responsável pelas minas de carvão de Manchester, povoadas por crianças-proletárias), que pelas enclosures forçadas do séc XVIII (que quase destruiram a pequena propriedade inglesa, o último resquício da Merry England medieval), quer pelo esmagamento dos movimentos operários, etc. 
As instituições inglesas, desde a sua Rainha até ao cerimonial do render da Guarda, o espelho do espírito de Wimbledon. É uma tradição morta, sem conteúdo, presente apenas em forma, como um cadáver perfumado. As estrelas do ténis vestem-se de branco durante o torneio, mas fora do campo não actuam, de todo, como “gentlemen”. A Rainha reina, mas não governa. Os conservadores conservam, mas já não existe nada para conservar numa Igreja Anglicana virada do avesso, numa população desligada da sua identidade histórica e étnica, em cidades onde se sofrem os efeitos de uma imigração descontrolada que ainda recentemente deu azo a autênticos motins no meio de Londres. Onde está o benéfico e cristão governo de Sua Majestade Britânica, Sempre Fiel, num país governado, não pelo Parliament, mas pela City londrina, covil da finança mundial? 
O conservador liberal distingue-se do seu amigo monárquico liberal pelo facto de ser menos engraçado, menos pitoresco (não tem aquela impetuosidade viril da raça Marialva) e por juntar uma pontinha de maçudo à tal moderação tipicamente inglesa, ou seja, aterrorizada pela perspectiva de acção musculada e pelo risco de assumir o Absoluto. Os valores têm de ser negociáveis, pelos menos até quinta-feira, dia de ir jantar à tia Matilde. Há uns tempos atrás, um padre do Opus Dei escreveu uma crónica muito inteligente e sagaz onde descrevia o círculo social de onde muitas destas criaturas são originárias, mas viu-se obrigado, pela sua consciência, a desculpar-se. Aparentemente, muita gente do seu círculo social mais íntimo sentiu-se afectada pela crítica. Adivinhe-se lá porquê... 
O conservador-liberal assemelha-se ao homem que faz a espargata numa falha tectónica. Por um lado, aceita os tais valores morais, que trouxe do colégio, da tia Matilde, da mamã e do papá, que visam manter a fibra social de qualquer coisa em nome de uma coisa qualquer: a Pátria, e nunca a Nação, que é coisa de fascistas; a civilização judaico-cristã, e nunca o Cristianismo, primeiro porque os tempos são outros e porque ninguém de bem suporta práticas “fundamentalistas”. 
A frustração deste grupo político é rampante em todas as suas vertentes. Quando católico, é democrata-cristão, ou seja, assiste ao lento e progressivo desmantelar da Igreja por ela própria e ao encerramento dos locais de culto, bem como à formação de jovens gerações de compatriotas afastadíssimos desses valores. Quando conservador, limita-se a um diálogo defensivo do status quo, dormindo adúlteramente com as mesmas “forças vivas” que exploram o seu próprio povo e fazem vista grossa desses valores inegociáveis que, ano após ano, vão sendo cada vez mais regateados nos parlamentos e nas faculdades. 
Ser conservador e liberal na mesma dentada é impossível. Simplesmente porque ser conservador significa não mexer, enquanto que ser liberal significa mexer em todas as direcções. O ridículo da situação só adensa quando se procura distinguir o conservador social e o liberal económico. Apenas no mundo irracional das faculdades de economia e das comissões parlamentares é que o “mundo económico” está separado do “mundo social”. De um lado admite-se um mundo onde reina o voluntarismo, do outro as convenções sociais. Por um lado, o individualismo. Do outro, o Bem Comum. 
Ao contrário do que pensa, o conservador-liberal não é a Direita que Portugal precisa. É a Direita que a Esquerda deixa existir. O seu discurso é elitista, mas confuso e indecifrável, os seus objectivos são desconhecidos. A história do “conservadorismo-liberal” é, desde os aristocratas católicos liberais do século XIX, passando pela democracia cristã depois dos anos 50, uma história de retiradas, de valores negociados na boca das urnas, de cisões, traições e derrotas e de um lamentável fim na mediocridade, recorrendo frequentemente à tecnocracia como narrativa eleitoral. 
Da mesma maneira que um calçãozinho branco não faz um cavalheiro, uma meia-ideia não faz um Rumo. Uma Ideia, sim. E a Ideia para a Direita em Portugal é, sem sombra de dúvidas, a ideia de uma Direita Portuguesa.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves