Este post do Samuel e a consequente gigantesca repercussão são o retrato fiel da incompatibilidade do espírito português com a democracia de massas.
Num país anglo-saxónico, a multidão extasiada pelo chamamento às armas do Samuel não redundaria por mais do que um "Yes We Can!" ou um "Ron Paul for 2012!".
Isso deve-se tanto ao carácter do britânico - o fanático do compromisso moderado, capaz de chegar a um acordo satisfatório entre ambas as partes com o Demónio e incapaz de não levar Deus a tribunal por um mínimo incumprimento burocrático da cláusula estipulada - como à ignorância do americano - para quem a decisão política, além de uma perspectiva utilitarista de todos os prismas ou outra falsamente puritana, não revela grandes oportunidades de escolha.
O Português, pelo contrário, já ultrapassou essa fase - aliás, mal chegou a entrar nela - e já se tornou o Átomo. Cada português é um partido político.
Os comentários dao Samuel revelam já uma longa lista de culpados pela situação:
os que não se manifestaram
a Igreja
o Estado Novo
o Norte
o Sul
o País
o Rei
o Buíça
o futebol
as telenovela
os socialistas
os que se manifestaram
os republicanos
o Rei
os que estão em casa
a Máfia
a Mafía
quem ganha dinheiro à custa do erário público
quem atravessa a ponte da Arrábida sem pagar
etc.
Entre os gritos desbragados desta louca Babilónia, há uns profetas que vão apelando a que cada Homem se torne um líder (será uma nação de Reis, cada um na sua Coutada Real, tendo por vassalos os cãezinhos de porcelana), quem veja no Rei a cura de todos os males (logo o rei constitucional, que já não é um rei que cura mas antes um magistrado hereditário sem poderes concretos) e até um pobre emigrante que, louvando a atitude do Samuel em se revoltar publicamente, é acusado - em nome da comunidade emigrante, se é que isso existe - de não se organizar.
É óbvio que nesta barafunda, nesta Babel em depressão, a opinião organizada - a opinião estúpida, irracional, anti-intelectual e sobre-simplificadora, OS PARTIDOS - é surda em terra de cegos, é Rainha entre baratas tontas.
Se os nossos génios literários se foram queixando, até aos nossos dias, desta nossa democracia, eu que não sou nem meio génio atrevo-me, para mal de meus pecados, a conceder-lhes a resposta que tanto queriam: toda esta cambada de forcados sem touro, de empresários sem funcionários, de tijolos sem argamassa, são o produto final da Democracia Liberal.
Tal como berrava a Comuna de Paris a plenos pulmões - que cada Homem fosse o personal king - finalmente chegámos ao paraíso da soberania atomizada.
Em Portugal, todos são reis e ninguém serve. Por recompensa deste nosso estado de pânico, somos todos escravos uns dos outros.