sábado, 24 de maio de 2025

Cleópatras, primeira parte.


Alexandre Magno teve uma irmã de sangue chamada Cleópatra, filha de Filipe II da Macedónia e Olímpia do Epiro. A julgar pelas más línguas seria esta a única filha que Filipe teve com Olímpia, a julgar pelos rumores que Alexandre seria filho de uma relação extraconjugal entre Olímpia e Nectanabo, ou Natanabo, o exilado faraó egípcio que, derrotado pelas forças do Imperador persa Artaxerxes e procurando guarida na corte macedónica, terá lançado as suas artes mágicas de iniciado nos mistérios de Isis sobre a carismática mulher de Filipe.

Os rumores são infundados, uma vez que o pobre Natanabo fugiu, de facto, da invasão persa após a queda de Mênfis, mas fugiu para a Núbia, de onde liderou, durante pouco tempo, uma ineficaz e insuficiente resistência.

Outra Cleópatra na vida de Alexandre era Cleópatra Eurídice, outra das mulheres de Filipe II, que continuara o velho costume dos reis macedónios da poligamia, algo que muito chocava os helenos mais puritanos. Esta Cleópatra teve dois filhinhos que Olímpia, mãe de Alexandre, tratou imediatamente de despachar desta para melhor, assim como à mãe dos mesmos, assim que Filipe bateu a bota.

Já a Cleópatra irmã de Alexandre teve uma vida interessante enquanto regente do Epiro e da Macedónia, assim como conselheira de seu irmão e agente político após a morte de Alexandre. Teve um fim trágico, assassinada por uma das suas damas de companhia, um fim muito em voga naqueles tempos conturbados.

Cleópatra, sendo um nome helénico, traduzindo-se literalmente por "glória do pai", está presente na mitologia antiga, como filha de Bóreas, o vento norte, e de Tros, rei fundador de Tróia.

O nome conheceu óbvia popularidade entre a nobreza macedónica, uma vez que o encontramos repetido até à exaustão entre as filhas dos diversos sucessores de Alexandre Magno, quer entre os Selêucidas, os Antigónidas ou os Ptolomeus.

O nome acabou por ser adoptado pelas populações submetidas pelo mundo helénico, como é visível no caso de Cleópatra de Jerusalém, mulher de Herodes, dito "o Grande", o monarca da narrativa bíblica. Até mesmo o nome Herodes é de origens gregas, apesar das origens do famoso monarca dos judeus serem árabes, tanto do lado materno como paterno.

É claro que não se pode falar de Cleópatra sem mencionar a mais famosa de todas as Cleópatras, a amante de Júlio César, esposa de Marco António, magistralmente representada na famosa e homónima peça de Shakespeare, personagem principal em quase todos as obras que versam sobre o período em que viveu. Cleópatra IV Filopater foi a última faraó na história do Egipto e a última soberana da dinastia de Ptolomeu a governar sobre o Egipto. A sua irmã, Cleópatra II Selene, governou após a morte da irmã sobre a Mauritânia, junto com o rei Juba da Numidia, criando por aquelas bandas um estado modelo em gestão económica e administração política, ainda que vassalo de Roma. É com esta última Cleópatra que morre a dinastia dos Ptolomeus, uma vez que a sua descendência será dizimada por Calígula e a Mauritânia incorporada no estado romano por Cláudio.



domingo, 18 de maio de 2025

Carta escrita no avião

 Carta aos meus filhos Lourenço e Tomás 


Meus queridos meninos,


Escrevo-vos esta pequena carta a pensar no que preciso vos dizer caso não possa cá estar para falar convosco. Lourenço, meu pequeno tourinho, tão pequenino e já tão cheio de carácter, penso todos os dias no teu sorriso rasgado e na tua disposição alegre. Tens um efeito especial nas pessoas, iluminando qualquer sala com a tua alegria contagiante, a tua presença bondosa, o teu carinho de menino espevitado. Hoje acordei a pensar, quase em lágrimas, na alegria que tenho em saber que daqui a umas horas te vou abraçar. 

Meu Tomás, meu menino. Como estou ansioso por te conhecer. Como te amam os teus papás, que te fizeram no amor de Cristo e te querem tanto, tanto, tanto. Ainda não sei como és, meu narizinho pontiagudo, mas já sou teu pai, sempre fui teu pai, serei sempre teu pai. És, como o teu irmão, o fruto doce de um grande amor, aquele que nutro pela tua mãe, que é a melhor coisa que Deus me pôs nesta vida. 

Ficam a saber os dois que qualquer que seja o destino que calhe ao vosso pai, ele é o homem mais sortudo desta terra, porque vos tive e, especialmente, porque vos tive da vossa mãe. Todos os dias agradeço à Providência ter-se enganado tanto a ponto de pensar que um desgraçado como eu mereça alguém como a vossa mãe.


Meus queridos meninos, quero muito que aprendam algumas coisas que eu aprendi nesta vida e que vos quero transmitir, mas que posso, por algum desígnio desconhecido, não ter como vos ensinar.


Primeiro, que devem amar a Deus acima de todas as coisas, porque amar a Deus torna-nos capazes de amar os outros com todo o nosso coração. Quando Deus não está primeiro, não se ama. Amar a Deus torna-nos capazes de entender as falhas dos homens, as suas traições, as suas mediocridades, a sua mortalidade, o inevitável fracasso de todas as coisas humanas. Tudo nesta vida que não dependa do amor de Deus vai acabar por morrer e importa tanto, no esquema superior das coisas, como o pó da rua.


Segundo, que devem amar a vossa Madre Igreja Católica, Apostólica e Romana.

Esse é o designio que os vossos antepassados vos legaram e que herdastes pelas juras e prometimentos dos cavaleiros, doutores, lavradores, pais e mães e avós de quem descendem. É fácil amar as coisas que nos estão por baixo, como os cãezinhos, os gatinhos, os amigos, o clube de futebol, o partido, etc. Difícil é amar aquilo que nos é superior, como a Deus e à Sua Igreja, que é representada tantas vezes por homens desagradáveis ou injustos. O Amor, contudo, tudo tolera e tudo vence.


Terceiro, saibam que o vosso pai foi monárquico e leal à Fidelíssima Casa de Bragança, mas que compreendo muito bem que a vossa sensibilidade ou o vosso sentido de oportunidade vos leve a seguir um caminho diferente. Acima de tudo, o inegociável é a nossa lealdade a Portugal. Seja um rei, um presidente, um komintern ou um sinédrio, nunca desonrem este vosso velho nome com outras alianças que não as que tenham o máximo interesse da Pátria como fundamento. Lembrem-se que o pior inimigo é sempre o traidor.


Quarto, lembrem-se desta prática máxima de “quando em dúvida, a Caridade. No fundamental, a Fé.”

Ou seja, mantenham um núcleo pequeno de principios inegociáveis que vos definam como homens e como cristãos. Em tudo o mais, pratiquem caridade e o amor ao Próximo como Cristo nos mandou no Sermão da Montanha. Que os vossos valores sejam como o ovo estrelado - no centro uma gema bem amarela, quase laranja, os vossos valores bem definidos e bem sustentados, partir dos quais não arredam o pé, de onde se quebra antes de torcer. Tudo o resto é a clara, ou seja, aquilo que podem negociar, os compromissos que podem fazer, o mundo onde hão-de gravitar a maior parte das vossas decisões.


Quinto, que sejam amigos um do outro. Se o amor de Mãe e de Pai são prendas divinas, o amor de um irmão é a ferramenta essencial para uma vida feliz. Não há ninguém em quem eu mais confie que nos meus irmãos. Sejam amigos um do outro e vão ver que nunca estarão sós perante o mundo.


E acima de tudo, obedeçam à vossa mãe e dêem-lhe sempre muitos beijinhos, todos os que o papá não conseguiu dar.

Ter uma mãe é a maior bênção deste mundo e a vossa é superior a todas.

Ânimo e coragem, e agora vou fechar o texto que o avião vai descolar e vou estar em breve nos vossos braços. 



Do vosso pai,


Manuel


segunda-feira, 5 de maio de 2025

Sobre faltar às aulas

Quando as pessoas falam em instrução pública, falam sem saber que se trata de uma das maiores enormidades da história da humanidade. A partir do momento em que se estabeleceu, a Escola mudou para sempre mentalidades e paisagens, submetendo-a à vontade do Estado.

Os jacobinos franceses usaram a Escola Pública para matar a velha França medieval em toda a sua diversidade cultural e linguística, para propagar o seu francês parisiense e os seus ideais revolucionários. Em poucas décadas, o dito francês "cosmopolita", falado em 1789 por pouco menos de 20% da população do Reino da França, passou a língua materna da generalidade dos franceses a viver na República Francesa, no ano de 1850.

Ao contrário do se prega, os governos que passaram pela primeira Revolução Industrial, especialmente o inglês, já em 1832 preocupavam-se com a educação dos petizes que laboravam nas fábricas. A ideia era retirar aos pais a educação das crianças, para criar trabalhadores mais bem formados, quadros mais especializados e capazes. Gente que não mandriasse, que mantivesse os pés bem assentes na terra, que o que importava era trabalhar e bem servir o patrão, para subir na vida e na carreira.

O velho Mao Zedong ensinou o povo chinês a ler para que este pudesse ler o seu Livro Vermelho. A instrução escolar não foi criada para dar ferramentas intelectuais, como a velha escolástica medieval ou a cultura intelectual greco-romana - foi criada para incentivar os indivíduos à obediência, para criar bases pedagógicas para a submissão.

Já a empregada de Agostinho da Silva, segundo nos dizia o filósofo de Barca D'Alva nascido no Porto, dizia que não queria aprender a ler para não ter de "saber das mentiras que eles contam nos jornais".

Quando a Esquerda se queixa do suposto obscurantismo da política educativa de Salazar (o que é falso, os números indicam a maior descida na taxa de analfabetismo da nossa história) está a dar tiros nos próprios pés.

Foi a Educação de Abril que terminou o serviço de controlo estatal das mentes e dos corações a partir da pedagogia pública. Os últimos resquícios de pensamento local, de sabedoria tradicional, foram destruídos em menos de 40 anos de educação "democrática". O português comum não assume uma mentalidade local (além do conceito de rivalidade clubística ou bairrista), substituindo-a por conceitos abstractos de igualdade, profissionalismo e cidadania (que não lhe servem para nada a não ser para conversa fiada, ou pior, para o enganar) e por conceitos bastante concretos de consumismo puro e duro, em que os seus únicos objectivos são os de amealhar, satisfazer-se e não fazer ondas. Vivemos na era da paz social, na era sem tumultos nem motins, não porque as democracias satisfazem os cidadãos de maneira exponencial, mas porque todos fomos ensinados pela Educação Pública a ser bons meninos e meninas e a não levantar ondas.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves