Da minha varanda contemplo árvores de grande porte sucumbirem ao vento, agreste e mal-disposto, que se aplacara ao Norte da nossa bússula interior e que, num grande opróbrio, as tinha vindo a obrigar, durante largos e intermináveis minutos, a enconstarem-se às vizinhas e aos vizinhos arbustos, muito incomodados com sua presença intimidatória, pois acaso já teremos mencionado que eram árvores de grande porte?
Ao longe e trazido pelo ar, esse acumulador de sons que os transporta, identifico notas de música provindas de um piano, um piano um tanto ou quanto desafinado ou desregulado. Seria Schumann, seria Chopin, Vianna da Motta ou Luís de Freitas Branco?
Não, a melodia não o revelava assim tão romanticamente, para o seu estilo. Tudo era envolvido numa forma sempre robusta, viva, audaz. Modulações contrastantes, ritmos abrasadores, comunhão de ideais de liberdade e sua irmã predilecta, a fraternidade. Fossem essas ou outras promessas, aquela música era de uma linearidade sem par, antecedida em fervor religioso por Bach, envolvida num dramatismo mais irónico, com alguma veleidade sensorial por Gluck.
Era Beethoven, o decano.
A mãe dessa pessoa, dessa humanidade em pessoa que estaria ao piano numa entrega ao espírito de Deus na procura de alcançar a sua perfeição, deveria ser uma mãe, dizia eu, compreendiva, pois se nenhum grito de angústia a assaltava.
Era Amor, o ufano.
Da minha varanda aclaro as memórias entreabertas por J. Almeida: é devido ao seu apontamento sobre os preços dos bilhetes para ver a tetralogia de Richard Wagner "O Anel de Nibelungo" na Casa da Música, no Porto.
«Era final de ano lectivo, exames à porta, como se costuma dizer. Mas as únicas portas que eu queria abrir eram as do MuPa (Palace of Arts de Budapest, Hungria) essa sala de concertos enorme mas incrivelmente pequena para tanto assombro ao assistir, pela primeira vez ao vivo, a toda a Tetralogia do Anel de Nibelungo de Richard Wagner.
Foi emocionante, um período da minha vida que não esquecerei. Só que é verdade aquilo que Debussy diz (embora não seja seu abnegado defensor, o Debussy em relação aos "wagnerianos"): obras criadas para um certo espaço correm o risco, muitas vezes, de verem o seu valor ser falseado sendo representadas noutras esferas, sociais, geográficas e musicais. Principalmente com esta obra e com Parsifal.
Uma pessoa raramente, por conseguinte, fica satisfeita com os cenários, com o momento em que vamos ver tal obra, de acordo com seu espírito interior e exterior. Mas quando tudo isto está de bem com connosco, com nosso gosto e nós de bem com a vida, então é momento raro aquele que vivemos.
Eu vivi, "literalmente", no MuPa durante 4 dias: eu já nem almoçava em casa, era à beira-rio, a 2 passos do "local".
Era época de exames, como já referi. Pois, está bem, era o tanas o estudo. Ele já o tinha sido feito anteriormente, de modos que eu vivia descansado, como depois de pode constatar na carta de curso. A vista no MuPa para o exterior era deliciosa. A comida do bar divina. Diabólicos, só os seus preços! Memorizei tudo o que havia para memorizar dos livros, cd's e restante panóplia de sensações e visões das lojas e do que as pessoas levavam, conquanto os intervalos eram de quase uma hora, por vezes. Ora essa, então e não conhecias ninguém? Eu explico:
Juntou-se pessoal, cada um ia estando na fila de forma dividida de tempo para comprar o bilhetes. Infelizmente, só um sobreviveu: eu. Os outros não aguentaram tanto tempo, ou queriam estudar, ou "não gostaram". Ao 3º dia eu já ia para lá só como que numa caminhada para Santiago de Compostela ou Fátima. Só espiritualmente, porque fisicamente era uma catrefada de gente nos transportes. Romaria!!!
Conheci, fiquei conhecido de amigos, amigas. Ainda hoje falo com gente que conheci nesses 4 dias.
Ainda hoje me lembro das férias que fizemos, juntos, depois disso.
Bom, atrás mencionei o acto, em comunhão, da compra dos bilhetes.
Bilhetes para estudantes, fossem de que curso universitário ou secundário fosse, vendidos horas antes de cada dia de espectáculo. Longas filas. Porque razão?
Porque os preços eram de, atenção caro leitor,
1,20 €.
E esta hein? diria Fernando Pessa, com seus olhos esbugalhados de espanto.
E quer a Casa da Música vender a 35€ por pessoa, preço NORMAL, por espectáculo?
Ainda por cima numa versão reduzida e com menos instrumentos? Só para que possa ser itinerante? Claro, assim fica mais barato para quem a põe em cena.
Se a ideia de dar a conhecer esta obra é meritória, a forma escolhida não é a melhor.
Ainda por cima a publicidade não apela a nada, que raio de parte eles puseram para ouvirmos?
A explicação dos artistas também não me transmitiu rigorosamente nada. E um vídeo sem legendas em português? E se eu for uma pessoa que não saiba nenhum daqueles idiomas mas que goste de ouvir boa música???
Ainda por cima, o cenário não é nada de extravagante, a cantora que aparece a cantar no segundo vídeo faz vibratos de 3ª, o que, trocado por miúdos, canta entre (ou varia a afinação) 1 a 3 notas de cada vez. Isso não dá. Nota-se logo. O preço exagerado por isto????
Até me podem apresentar outras salas de espectáculo por essa Europa fora (sempre é uma forma de se mostrarem "cidadãos do mundo", que têm informação do "estrangeiro") que em poucas salas de espectáculo podemos encontrar preços bons como estes. Mas se até a sala não é boa o suficiente acusticamente?
Lembram-se de falar na Romaria?
Essa romaria era nos transportes públicos mas de gente de todas das faixas etárias e estratos sociais, como agora se denominam "os indivíduos" em classes.
E se eu vos disser que essa treta de termos que comprar um passe e ele só estar válido até ao final do mês, mesmo que a gente compre em meados do mesmo?
Lá não funciona assim: compramos dia 10, ele dá até dia 9 do mês seguinte, e depois queremos ficar alguns dias sem passe porque sabemos que não o utilizamos - vamos de férias, por exemplo (Budapest ficava quase deserta de moradores nas férias, fossem elas quais fossem, então feriados é que era, mas isso são outras "estórias" - desculpa Manel, mas tinha que o escrever - é a vida) - então compramos dias depois e vigora até um dia antes, do mês seguinte. Tão simples, tão convidativo para se usarem mais os transportes públicos. Mas em Portugal é um m.... Não pensam nas pessoas. Budapest faz parte de um país mais pobre, sim, mais pobre, que Portugal. Aqui pensamos como novos ricos, é tudo à grande.
E por isso voltamos à questão dos bilhetes. É a mesma coisa para se ver uma ópera.
...e por aí adiante...
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