segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Homenagem a Pe. Dr. Joaquim Gonçalves dos Santos

Janeiro, 12
"O que eu quero principalmente é que vivam felizes."

Não lhes disse talvez estas palavras, mas foi isto o que eu quis dizer. No sumário, pus assim: «Conversa amena com os rapazes». E pedi, mais que tudo, uma coisa que eu costumo pedir aos meus alunos: lealdade. Lealdade para comigo e lealdade de cada um para cada outro. Lealdade que não se limita a não enganar o professor ou o companheiro: lealdade activa, que nos leva, por exemplo, a contar abertamente os nossos pontos fracos ou a rir só quando temos vontade (e então rir mesmo, porque não é lealdade deixar então de rir) ou a não ajudar falsamente o companheiro.
«Não sou, junto de vós, mais do que um camarada um bocadinho mais velho. Sei coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já me esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras. Ensinar, não: falar delas. Aqui e no pátio e na rua e no vapor e no comboio e no jardim e onde quer que nos encontremos.»
Não acabei sem lhes fazer notar que «a aula é nossa». Que a todos cabe o direito de falar, desde que fale um de cada vez e não corte a palavra ao que está com ela.


Janeiro, 14


Como vou insistir muito na leitura, achei bom começar por uma lição teórica (conversada) sobre as conveniências de ler bem. No meu sumário (digo meu, porque cada um de nós - preveni ontem os rapazes - escreverá o seu sumário, dando assim uma notícia da sua capacidade de síntese e da atenção com que seguiu a aula) - isto é incrível, ainda mais se acontecesse nos tempos de agora - escrevi:

1 - a) A leitura e a conversa.

Como aquela se deve aproximar desta e como essa aproximação nunca passa de aproximação, do mesmo modo que aquela flor que eu pintei a óleo numa tela (...) não pode nunca confundir-se, embora perfeitíssima, com a flor modelo. Dentro da notação da diferença entre uma e outra, fi-los verificar como se não confunde uma conversa (...) improvisada, com uma entrevista (...) nitidamente lida.


b) A cor da palavras.


Há palavras alegres e há palavras tristes. E essa tristeza ou essa alegria umas vezes está nelas, outras no modo de as dizer. Assim, certa palavra pode ter muitas e até contraditórias significações, consoante o modo como é pronunciada.

(...) pronunciei «malandro» querendo exprimir (...) ódio e querendo exprimir carinho. E ainda: «Estou muito desgostado» que pode querer ou não querer dizer isto mesmo.


c) Conveniências de ler bem


Para que nos oiçam; para que nos compreendam; para que se convençam. Quem é que vai perder tempo a ouvir, na rádio, alguém que diz coisas estupendas numa leitura péssima? Mas todos ouvem com gosto o Artur Agostinho...


Quem é que compreende o que digo, se o que digo é incompreensível por incolor ou baço, apesar de significar claridade? A quem comunicarei o meu entusiasmo, se não falar entusiasmado, a minha tristeza, se parecer que estou a alegre, a minha necessidade de chegar depressa, se der a mostrar que tenho muito tempo?

Fevereiro, 18

(...)

a definição de professor como eu o vejo: «Ser professor é dar-se».


ENSINAR É AMAR.



Num tempo em que tanto se fala de mudanças na educação para "meninos" e "jovens", deixou de haver uma preocupação com aquilo que realmente importa, a meu ver: o sentimento, no final de uma aula, de que o professor se sinta realizado, com estas palavras do Poeta: Que bela lição que eu dei!

_____________


É no seu "Diário" - o 2º volume da colectânea das obras completas publicada sob a alçada das Edições Ática-Lisboa, 5ªedição - que podemos encontrar as palavras atrás transcritas do registo quotidiano das experiências enquanto estagiário do Ensino Técnico (1945) de Sebastião da Gama, Professor de Português e Poeta.

Posteriormente às palavras de Hernâni Cidade, tão bem encadeadas e bem demonstrativas da figura de extrema delicadeza e com grande apego às coisas simples e belas da vida que o foi em sua tão tenra e curta vida Sebastião da Gama, podemos encontrar um começo com estas palavras de uma exactidão e, no entanto, de tamanha leveza de espírito e gratidão pela Vida plena de espiritualidade, não daquela bacoca, mas da que se pratica todos os dias só com um olhar, uma palavra de agrado para com o outro, para com a Natureza.


São elas:


- «Tens muito que fazer?


- Não. Tenho muito que amar.»

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves