domingo, 23 de maio de 2021

Dalila Pereira da Costa, "Raízes arcaicas da epopeia portuguesa e camoniana"

Em Creta, uma religião de fundo feminino, ctónico, aquático, haverá, com uma estimativa não-racional da vida, um halo de doçura e não-violência, que ao nível das relações humanas, colectivas e históricas, se revelaria pela forma como foi levada a cabo uma talassocracia. Cultura e religião marcadamente matriarcal e telúrica, toda ela surgirá dum carácter profundamente emotivo e passional: esse carácter levando a alma dos homens ao limite do extático, como ponto de transcensão do humano e terrestre. Segundo o testemunho de Diodoro, a religião dos cretenses, adoptava a forma das religiões de 《mistérios 》, que, posteriormente, os gregos arianos haveriam de repudiar. E será essa religião a que na Grécia, se prolongará pelo orfismo, culto de Dionísio e culto de Deméter em Elensis. Preferentemente realizando-se entre deuses e homens, vida e morte, passado e futuro, terra e céu, uma relação mais pelo sentimento do que por actos formais e pela abstracção - o destino dos homens nunca sendo desligado do destino dos deuses que, como filhos da terra e do céu, serão passíveis de nascimento, paixão e morte: essa solidariedade realizando-se entre o céu e a terra, nos liames duma religião de salvação. Será esse fundo pré-helénico, como cosmovisão e experiência da vida articulada numa estrutura perfeita, complexa e coerente, toda ela criando uma específica idade e civilização dos homens, a Idade do Bronze mediterrânica, aquela que os aqueus, ao transportarem-na para o continente, haveriam de posteriormente preterir e depois os dórios, substituir de todo por uma religião patriarcal e urânica sob a égide de Zeus, depois na época greco-latina, fundamentalmente racionalizada, humanizada, formal e desmistificada.

Mas na Europa, outro espaço teria havido, comsagrado para perseverar a herança duma civilização matriarcal pré-ariana e de sua religião: para além de Eleusis, da Grande-Grécia, Sicília, Trácia, Golfo de Sirte... como outro espaço depositário e depois ainda transmissor dessa herança, surge a 《ocidental praia lusitana》: como espaço limite da Europa, 《onde a terra se acaba e o mar começa》, situado sobre um abismo, o do mar primordial, Mar Tenebroso; sobre ele e depois para além dele, Portugal teria aqui preservado uma alma antiga, de todo destruída ou negada no resto do Ocidente: e depois a teria feito transitar, a mesma a outra, porque transmutada, para além desse mar.

Será o carácter duma civilização pré-indo-europeia, aquele que marcadamente se continuará e comfirmará em toda a Tradição em Portugal e sua expansão no Mundo.

Perseverando no extremo do Ocidente e depois por si levando a todos os continentes uma religião naturalista, mas a um tempo unindo imanente e transcendente, evoluída e envolvida num alto e complexo simbolismo, tal como aquela uma vez criada em Creta, surgindo no seu todo ainda como uma religião estruturada sob a égide da Mãe-Divina como poder supremo sobre o mundo animal, vegetal e dos homens, dos mortos e dos vivos, do céu e da terra e dos infernos, e em que o terror da morte fora abolido por uma visão totalizante e amante da vida - serão esses os sinais testemunhados na antiga civilização pré-helénica, os que, semelhantemente, marcarão ainda outra civilização e talassocracia, agora a partir, não do Mediterrâneo, mas do Atlântico, a lusíada. E fundando-se ainda, no período do seu esplendor, na amenidadr e fraternidade entre os homens, sob a protecção da Virgem e do Menino Redentor - como novas formas da Grande-Deusa e da Criança Divina.

A minha Lista de blogues

Seguidores

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves