24 de Julho de 1759. Kaunitz, diplomata da Imperatriz Maria Teresa d'Áustria, escrevia ao general Daun sobre a necessidade de conseguir mais vitórias contra uma enfraquecida Prússia, humilhada e sangrada em Hochkirch. Dizia Kaunitz, num dos mais importantes documentos do século XVIII, que era vital assegurar uma paz que não custasse a manutenção de um grande exército, uma paz que permitisse aligeirar o fardo dos povos, ao invés de o aumentar com mais impostos e mais contribuições para o esforço de guerra. Este tipo de humanismo, comum na corte de Maria Teresa, era raro na de Frederico da Prússia, o seu maior inimigo.
De facto, Kaunitz via na sociedade militarista da Prússia a maior inimiga da civilização europeia. Viena era a capital de um Império de arte, música e beleza - Berlim era o quartel general de uma dinastia de reis sargento, o centro nevrálgico de uma raça que sonhava em pisar com a sua bota de cavalaria todos os povos da Alemanha e, um dia, todos os povos da Europa.
A arrogância prussiana foi domada depois de Kunesdorf e a Europa salvou-se durante quase 100 anos.
Kaunitz sabia que em breve a Áustria, e depois todos os reinos da Europa, teriam de adoptar uma forma de governo "à prussiana" para sobreviver aos ataques e às pretensões de uma nação reduzida a viveiro de soldados. Em breve, caso a Prússia não fosse controlada, toda a Europa se veria reduzida à infâmia, à "carga insuportável" de fazer dos seus cidadãos carne para canhão. Ao estadista imperial preocupava-lhe algo mais do que os destinos da Áustria - preocupava-lhe "os destinos da espécie humana".
A loucura arrebatadora de Frederico da Prússia no campo de batalha, os erros cometidos em sucessivas derrotas militares e diplomáticas, valeram aos seus rivais austríacos a oportunidade de silenciar este foco de perigo para a paz europeia. Contudo, as sementes do mal já estavam semeadas.
O absolutismo prussiano instituiu as bases do recrutamento militar universal e obrigatório, mas foram os revolucionários jacobinos franceses que terminaram os moldes desta nova forma de guerra, a Guerra Total, a Guerra Democrática, envolvendo todas as classes sociais, conhecendo apenas a aniquilação total do inimigo.
100 anos após a batalha de Kunesdorf, a Prússia humilhava a França, fazia coroar o seu império em Versalhes e arrancava-lhe uma boa parte do seu território. A botifarra prussiana pensava ainda à moda violenta e brutal dos reis Fredericos. O único elemento aristocrático deste imenso estado bélico-burocrático era a Nobreza terratenente dos Junckers, os oficiais dos exércitos de Berlim. No resto, a Prússia já demonstrava em si o gérmen de socialismo igualitário que viria a brotar nas décadas seguintes.
Depois que Bismarck plantasse as sementes para o suicídio da Europa de 1914-1918, foi a vez de outro admirador confesso de Frederico da Prússia, como bem recordou Dominique Venner, de mergulhar a Europa em mais uma guerra fratricida, em mais um conflito de "tudo ou nada": Adolf Hitler. Este, por ironia cruel da história, austríaco.
No final, repetiu-se a história: em Valmy (1792) a Revolução Francesa derrotava a Prússia com um exército compulsivamente recrutado, ou seja, utilizando os métodos prussianos com ainda mais crueldade e vigor.
Em 1945, os aliados derrotavam uma Alemanha no jogo que esta havia inventado - o da Guerra Total, o da submissão total dos povos invadidos, o da supressão dos fracos frente aos fortes, lançando no território alemão um terror de pilhagem e violação que só competia com aquela que os próprios alemães criaram na Ucrânia e na Rússia, quando tentaram fazer do Leste da Europa uma terreno limpo, um deserto a ser habitado por uma nova raça de "camponeses soldado".
O feitiço virava-se contra o feiticeiro.
Contudo, em 1759 naquele dia de Julho, tudo isto parecia muito longínquo e a salvação da Europa parecia ainda muito possível, quando Kaunitz escrevia a Daun sobre como haveriam de salvar a espécie humana.
Na foto: Wenzel Anton Reichsfürst von Kaunitz-Rietberg, Príncipe de Kaunitz. Quadro de Jean-Étienne Liotard (1762)