Os campos de batalha do Renascimento testemunharam o aparecimento de um novo tipo de espada que ia marcar a forma como a guerra se fazia, assim como a própria identidade marcial, em muitos povos da Europa.
A famosa espada de duas mãos dos lansquenetes alemães, corpo militar criado pelo Imperador Maximiliano, impressiona os exércitos suíços, franceses e italianos. Também está registado o uso de espadas de duas mãos pelos cavaleiros hospitalários na defesa de Rodes (1522) contra as tropas do sultão Solimão, O Magnífico, especialmente o caso do famoso
Cavaleiro Prégeant de Bidoux, que defendeu sozinho um troço da muralha derrubada pelas balas dos canhões otomanos, usando da sua mestria com a comprida spadone, a espada de duas mãos italiana, para massacrar dezenas de janízaros assediantes. O êxito deste acto de bravura poderá estar também ligado ao facto de, como mencionou Luigi di Caro, autor de uma “Storia dei gran Maestri e cavalieri di Malta: volume II” (1853), o nosso Prégeant
pelo que podemos concluir que, de facto, quando se faz o trabalho com gosto, tudo sai melhor.
A espada de duas mãos conheceu também muito sucesso por estas bandas, sendo que cá, ao que se pensa, teria um tamanho algo mais pequeno, tendo-se mantido como arma de duelo até muito mais tarde do que no resto da Europa. De facto, se o zwihänder alemão e o spadone italiano deixam de ser utilizados como armas de treino nas cortes respectivas desde o século XVII, manuais de esgrima portugueses e espanhóis do século XVIII ainda contemplam o uso do montante, como era o nome que os ibéricos davam a esta arma.
detalhe do frontispício da "Verdadeira Informaçam das Terras do Preste Joam das Índias, segundo vio e escreueu ho padre Francisco Alvarez capellã el Rey nosso senhor". Lisboa, Casa de Luis Rodriguez, 1540. Veja-se o modo como o montante era transportado quando o seu utilizador tinha de se movimentar. Ao contrário de certas representações actuais, o montante raramente era inserido numa bainha e o seu transporte embainhado às costas não era recomendado de todo.
A influência do montante faz-se sentir mesmo em termos linguísticos, uma vez que em Espanha é comum a expressão poner el montante, ou seja, ajudar a resolver um conflito, deitar água na fervedura, acalmar os ânimos. Isto porque os antigos mestres de esgrima usavam montantes como forma de interromper a performance dos seus alunos em caso de erro ou excesso de zelo.
O montante ibérico podia variar entre os 170 cm e os 150 cm, entre os 2,5 kg e os 2,25 kg. Não estaria muito longe da grande maioria dos seus parentes europeus, pelo que a ideia de uma espada pesada e pouco manobrável é um exagero recente. Era necessário, sem dúvida, muita coordenação e perícia para usar estas espadas, mas o uso das mesmas passava mais pela destreza que pela força.
detalhe das Tapeçarias de D. João de Castro, comemorando a vitória no Segundo Cerco de Diu. Veja-se o capitão do grupo de piqueiros marchando à frente, com um montante.
Se as zweihänder dos doppelsoldner, as tropas especializadas dos lansquenetes no uso de espadas de duas mãos, usavam estas enormes lâminas para cortarem os piques dos adversários nos típicos cenários de guerra do século XVI e XVII, em Portugal e Espanha o seu uso era votado a diferentes circunstâncias.
O
manual do general português Diogo Gomes de Figueiredo promove o uso destas armas quando cercado por um número superior de inimigos, sem ter o obstáculo de poder magoar aliados durante o manejar da arma, ou no caso da protecção de uma dama, ou mesmo no possível cenário de ter de defender o corredor de uma galera. Ou seja, o montante tanto pode controlar um número elevado de inimigos ao redor do seu utilizador ou ser usado para bloquear uma passagem estreita.
A poderosa imagem destas armas cedo se tornou um claro sinal de autoridade, sendo usado pelas chefias e simbolizando mestria de armas.
Em Espanha e Portugal, o montante assumiu o carácter da espada enquanto sinal de justiça e comando,
detalhe do quadro "La recuperación de la Bahia de Todos os Santos", de Maíno (1634). Podemos ver o Conde-Duque de Olivares a coroar com os louros da vitória o soberano Filipe IV de Espanha, o seu montante assinalando a sua função de ministro, comandante dos exércitos e mentor do rei
Assim como de Justiça e Sabedoria, tornando-se na espada iconográfica de São Paulo, uma vez que foi às mãos de uma espada que este santo foi decapitado.
pintura de São Paulo, na Igreja de São Gonçalo de Amarante
estátua de São Paulo com montante, Catedral de Salamanca
San Pablo, El Greco, 1610
San Pedro y San Pablo, El Greco, 1590