terça-feira, 14 de junho de 2011

Caminhos da Música (II Parte 2)

Depois que a música deixou de ser o centro da nossa vida, tudo mudou de figura; como ornamento, ela tem que ser antes de tudo "bela". Não deve de forma alguma perturbar ou assustar. Só que a música, em nossos dias, não pode satisfazer tal exigência, porque, como qualquer arte, ela é o reflexo da vida espiritual do seu tempo, portanto do presente. Mas, numa confrontação honesta e séria com a nossa condição espiritual e intelectual, ela não pode ser apenas bela, já que intervém em nossa vida e, por isso, perturba.


Daí a contradição: nós afastamo-nos da arte atual por ser perturbadora, talvez pelo próprio fato de que a arte tenha de perturbar. Não estávamos, entretanto, buscando nenhum tipo de confrontação, só queríamos uma beleza que pudesse nos distrair do tédio do dia-a-dia. Assim, a arte - e a música em particular - tornou-se um simples ornamento e nós voltámo-nos para a música histórica, para a música antiga uma vez que, nesta, encontramos a beleza e a harmonia tão almejadas.A meu ver, esse retorno à música antiga - e por esta, entendo qualquer música que não tenha sido composta pelas gerações atualmente vivas - só se deu porcausa de uma série de terríveis mal-entendidos. Tudo o que consumimos é uma bela música que o presente não pode de forma alguma nos oferecer.


Ora, tal música, a simplesmente "bela", jamais existiu. Se a beleza é componente de toda e qualquer música, nós não podemos fazer disso um critério determinante, sob pena de estarmos negligenciando e ignorando todos os demais componentes. Mas, depois que deixamos de compreender, ou talvez que deixamos de querer compreender a música como um todo, foi-nos possível reduzi-la ao belo e, de certa forma, nivelá-la. Só que, ao torná-la apenas um componente agradável da nossa vida quotidiana, ficamos até incapazes de compreender a música antiga - aquela que chamamos realmente música - em sua totalidade, pois nesse caso já não podemos mais reduzi-la à estética.


[ nota: jamais existiu música bela, como assim a entendemos, também porque, em cada era, época, ela era composta de acordo com o resultado da sociedade vigente e sempre realçando todas as nuances, fosse de glória, admiração, guerra, maldição, medo, fúria, paixão, solenidade, humor, sarcasmo, despedida. Todos estes sentimentos e mais ainda sempre fizeram parte da música, para que esta os expusesse, sem preocupações em os tornar mais aprazíveis e menos propulsores e agregadores de agitação]

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves